quarta-feira, 18 de maio de 2016

O que vale a opinião de um artista?

Sim, o que vale a opinião de um artista?

Já faz muitos anos, um grande amigo, caricaturista primoroso (no desenho e nas palavras), brincou que o Faustão é tão hipócrita e tão demagogo que seria bem capaz de anunciar assim, no seu programa dominical, certa famosa figura do passado:

" - E agora, ele, que tem dignidade, é politizado, é o filho da dona Klara e do seu Alois... Adoooooolllfffff... Hiiiiiiiiitleeeeeeeeerrrr... Ô louco meu, mais de 6 milhões de judeus assassinados... brincadeira!"

Os brasileiros temos de rever nossas crenças de índole faustônica. Nem a fama, nem a arte, nem mesmo a genialidade artística fazem de alguém, necessariamente, um sábio para além das fronteiras do seu ofício. E mais: nem a fama, nem a arte, nem mesmo a genialidade artística certificam lisura de comportamento ou dão indícios de santidade.

Beethoven, por exemplo. O maior compositor da história da música, o autor da mais sublime das obras humanas, sua Nona sinfonia, era um grosseirão de marca maior, que se proclamava republicano, mas sua excelente Sétima sinfonia - especialmente escrita para a ocasião - integrou o repertório musical do Congresso de Viena, evento contrarrevolucionário em que as cabeças coroadas europeias reorganizaram a geopolítica monárquica do Velho Continente. E Richard Wagner? Outro monstro da música erudita, monstro também da canalhice, o antissemitismo era apenas um de seus atributos intragáveis.

Hoje atores brasileiros protestaram, em Cannes, contra o afastamento de Dilma Rousseff da presidência da República e contra o processo de impeachment em curso. Estão certos. Expressam uma opinião (com a qual não concordo). Mas se essa opinião se fundamentar apenas em serem artistas, atores, famosos - ela vale tanto quanto a contida nos berros do Faustão, para alardear a politização, a dignidade e o quem sabe faz ao vivo de todos os demais convidados ao seu programa.

Alfred Hitchcock, o esplêndido diretor de cinema, que tanto conhecia "seu gado", ironizou certa vez: "todos os atores são... gado". Em entrevista a Truffaut, o cineasta de Psicose esclareceu que sua "observação era apenas uma generalização" (in Hitchcock Truffaut. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p.140) Tudo bem: se nem todos são gado, nem todos os atores são intelectuais, evangelistas da boa nova política. Assim como nem todos os músicos, compositores, pintores, escritores, jornalistas...

Pois a validade e a força persuasiva de uma opinião não devem ser observadas na pessoa, seja ela quem for, mas nos fundamentos argumentativos e na linha de raciocínio da opinião emitida.

Aí o leitor me provoca: e o que vale a opinião de um professor? Vale a pena responder? Haja demagogia e hipocrisia do Faustão para nos exaltar.


  

Nenhum comentário:

Postar um comentário