domingo, 26 de junho de 2016

Por uma pedagogia burguesa (eu disse um palavrão?)

O politicamente correto de nossa atual pedagogia hegemônica torce o nariz para o ensinamento da célebre fábula da cigarra e das formigas, apologia do esforço próprio e da responsabilidade diante do futuro - valores execráveis (não é mesmo?) da sociedade burguesa, que, retratada nessa pequena narrativa, glorifica o trabalho incansável e pune quem somente se preocupou em cantar. Pois a interpretação mais torta do que o nariz daqueles que a emitem e defendem compreende a fábula como um ataque à arte e à liberdade... e argumentam que o canto é, sim, socialmente importante. Mas a lição moral não o contesta; a punição da cigarra não decorre de ela ter cantado, decorre de ela só ter cantado, e não ter trabalhado nadica de nada. Talvez fosse o caso de conceder ao inseto cantor uma bolsa, cujo valor seria extraído da mera bondade justiceira do governo?... ou do produto dos insetos trabalhadores?

Olavo Bilac (1865-1918), poeta não genial (é verdade), porém consciente de que a boa arte é fruto de quem "trabalha, e teima, e sofre, e sua", não se constrangeu nenhum pouquinho em afirmar que as formigas operosas consistem em exemplo superior para uma nação que se quer, de fato, próspera. E se fez de cigarra lúcida para as crianças nos versos abaixo:

"As formigas"

Cautelosas e prudentes,
O caminho atravessando,
As formigas diligentes
Vão andando, vão andando ...

Marcham em filas cerradas;
Não se separam; espiam
De um lado e de outro, assustadas,
E das pedras se desviam.

Entre os calhaus vão abrindo
Caminho estreito e seguro,
Aqui, ladeiras  subindo,
Acolá, galgando um muro.

Esta carrega a migalha;
Outra, com passo discreto,
Leva um pedaço de palha;
Outra, uma pata de inseto.

Carrega cada formiga
Aquilo que achou na estrada;
E nenhuma se fatiga,
Nenhuma para cansada.

Vede! enquanto negligentes
Estão as cigarras cantando,
Vão as formigas prudentes
Trabalhando e armazenando.

Também quando chega o frio,
E todo o fruto consome,
A formiga, que no estio
Trabalha, não sofre fome ...

Recorde-vos todo o dia
Das lições da Natureza:
O trabalho e a economia

São as bases da riqueza.

Nenhum comentário:

Postar um comentário